Entidades que fazem parte da Articulação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, estiveram reunidos neste fim de semana na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), espaço formativo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e definiram uma série de ações, mobilizações e encontros com o objetivo de defender a democracia e enfrentar os retrocessos impostos pelo governo golpista de Michel Temer.
Após um início de ano com mobilizações em todo o país e uma série de ações em Porto Alegre, em defesa da democracia e do direito de Lula ser candidato, as mulheres dos movimentos populares já se preparam para o Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, em 8 de março.
As ações das mulheres organizadas terão início logo em fevereiro, como conta Iridiane Seibert, da coordenação nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC): “Nós pretendemos antecipar o que chamamos de Jornada de Lutas do 8 de março, entendendo que temos grandes marcos da luta da classe trabalhadora, como a reforma da Previdência, colocada pelo governo golpista novamente. Completamente contra essa reforma e em defesa da Previdência pública, universal e solidária, vamos articular ações e atividades nacionais, estaduais e municipais para não permitir a aprovação dessa reforma”.
A defesa do direito do ex-presidente Lula ser candidato também é outra das pautas que marcarão as mobilizações das mulheres do campo em torno ao 8 de março, que ocorrerão sob o lema “Mulheres contra o capital no campo, em defesa da democracia e dos direitos”.
Em convergência com essas pautas, as Margaridas, como são conhecidas as militantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em homenagem à histórica dirigente sindical paraibana Margarida Alves, se mobilizarão durante todo o mês de março. “Já recebemos várias demandas e a ideia nossa e de outros movimentos é que façamos ações descentralizadas, que possamos colocar o maior número de mulheres nas ações municipais, estaduais e em Brasília”, conta Mazé Morais, Secretária de Mulheres da entidade.
A articulação definiu também participar ativamente da Jornada Nacional de Luta, definida pelas centrais sindicais e pela Frente Brasil Popular para acontecer na semana de 19 a 23 de fevereiro.
O agro mata
Os retrocessos para a população rural promovidos pelo governo golpista de Temer são diversos, conforme o diagnóstico dos movimentos populares que compõem a Articulação Nacional. Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), denunciou o recrudescimento da violência contra os povos indígenas no Brasil. “Temos situações que haviam sido pacificadas com os processos de demarcação de terras, mas hoje temos terras que são objeto de invasão, comércio de lotes dentro das terras indígenas, desmatamento, reabrindo uma estratégia de consumação de fato da posse ilegítima por parte do agronegócio, na perspectiva de legalizar essas posses tomadas a força”, aponta.
Para Buzatto, o governo federal está inviabilizando as demarcações de terras indígenas com propostas como a PEC 215, a tese do marco temporal e iniciativas administrativas inéditas do poder Executivo como a portaria que desconstituiu a terra indígena do Pico do Jaraguá, em São Paulo.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), sob o governo Temer já ocorreram 100 assassinatos por conflitos agrários, além de inúmeras perseguições, prisões, ameaças de prisão e torturas.
Para Rubens Siqueira, da coordenação executiva nacional da CPT, esse aumento da violência está vinculado a “um favorecimento do governo para que a terra grilada possa ser legalizada”, em referência à chamada Medida Provisória da Grilagem. Segundo ele, a violência tem sido maior na Amazônia, região considerada a última fronteira agrícola do Brasil e cobiçada pelo agronegócio e o capital financeiro internacional, atores que o integrante da CPT considera ser os promovedores do golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Impactos nas águas e nas florestas
Presente no encontro, Josana Serrão Pinto, do Movimento de Pescadores e Pescadoras (MPP), denunciou medidas do governo Temer que atingem sua categoria: “Para nós, pescadoras artesanais, têm sido um período de total retirada de direitos por conta da falta de emissão de novos RGP [Registro Geral da Atividade Pesqueira], muitas suspensões e cancelamentos de registros de pescadores, tudo feito de forma arbitrária sem a nossa participação”.
Durante o afastamento da presidenta Dilma, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) suspendeu 186.106 registros de pescadores profissionais artesanais.
Em relação às políticas voltadas para a agricultura familiar, para este ano estima-se que o governo reduza para menos de 10% (em comparação à 2015) o orçamento de políticas públicas para o campo, incluindo o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), a Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), Habitação Rural e a obtenção de terras para reforma agrária.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), também presente no encontro, falou sobre a importância desses programas: “O PAA melhorou a qualidade de vida dos produtores no campo, criou perspectiva para a juventude se manter no campo, e na outra ponta do programa, o alimento ia para a prefeitura, que distribuía entre as famílias de maior grau de vulnerabilidade na cidade. Então, este programa foi fundamental para este mérito que o Brasil teve no âmbito mundial, que foi o de ter acabado com a fome”.
Tatto entende que a decisão de eliminar ou reduzir a uma expressão mínima estes programas tem a ver com interesses de capitais financeiros internacionais sobre a água, minerais e recursos naturais em geral: “são espaços onde um segmento desse capitalismo busca fazer lucro com maior brevidade, com maior rapidez”, conclui.
Além das mobilizações mencionadas, a Articulação Nacional também tem no calendário o Fórum Alternativo Mundial da Água (Fama) com a realização de um júri popular de casos emblemáticos de apropriação de água por parte de empresas, em Brasília (DF), de 17 a 22 de março; O IV Encontro Nacional de Agroecologia, em Belo Horizonte (MG), de 30 de maio a 1° de junho; o acampamento de povos indígenas “Terra Livre”, em Brasília, de 23 a 26 de abril; o Fórum Nacional das Cidades, em São Paulo, de 22 a 24 de maio; entre outras ações permanentes em defesa da democracia e a soberania nacional.
*A articulação está composta pelos seguintes movimentos e entidades populares do campo: MST, MAB, MAM, CPT, Abra, Contag, MCP, ASA, MPA, MMC, MPP, Cimi, PJR, MTC, CBJP, Terra de Direitos e Frente de Juristas pela Democracia.