Cuidar das crianças do campo é garantir o futuro da agricultura familiar

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Trabalhos penosos e que coloquem em risco o desenvolvimento, ou a própria vida, de crianças devem ser combatidos em todas as circunstâncias, no meio urbano e também no meio rural. Hoje, Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, é a ocasião ideal para reforçarmos a importância de evitar a todo custo que nossas crianças sejam submetidas a atividades perigosas, exaustivas e que as impeçam de estudar, de brincar e crescer de forma saudável.


 


Neste mesmo dia, em 2008, o presidente Lula assinou um decreto em que foram listadas as piores formas de trabalho infantil, aquelas que devem ser completamente erradicadas. Trata-se da regulamentação da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil em 1999 e vigente desde 2001. A Convenção 182 da OIT trata da “Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação”. Veja neste link o decreto completo e, ao final da matéria, os itens da lista relacionados à agricultura, pecuária, pesca e extrativismo.


 


Durante o 12º Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (12º CNTTR), realizado em março deste ano, destacou-se entre os desafios para a superação do trabalho infantil a construção de uma política de proteção e educação infantil do campo com garantia de acesso das crianças à escola na área rural; o ajuste do Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) para atender as especificidades do campo; e a sensibilização das lideranças sindicais do MSTTR para construir uma proposta de capacitação dos agricultores e agricultoras familiares para fortalecer a luta contra o trabalho infantil no campo.


 


Os(as) participantes do 12º CNTTR apontaram para a necessidade de o Movimento Sindical rediscutir o conceito de Trabalho Infantil dentro da Agricultura Familiar, além de construir um entendimento entre pais, mães, legisladores e órgãos de proteção da infância e juventude de que existe a necessidade de eliminar situações de exploração da mão de obra infanto-juvenil. “No entanto, precisamos levar em consideração de que essas formas de trabalho não devem ser tratadas da mesma forma as situações em que o(a) filho(a) auxilia nas atividades da propriedade sem prejudicar os momentos de lazer e educação. Na agricultura familiar existem muitas situações em que as crianças participam do cotidiano da produção, mas não são expostas a qualquer situação de risco”, explica a secretária de Políticas Sociais da CONTAG, Edjane Rodrigues.


 


Para a secretária de Jovens da CONTAG, Mônica Augusto, na agricultura familiar são estimuladas formas harmoniosas de participação das crianças e jovens das rotinas de atividades produtivas e domésticas, de forma a fortalecer a afinidade e o vínculo com a terra, além de ser forma de pais, mães, avós, amigos e parentes transmitirem os conhecimentos culturais e tradicionais do campo.


 


“Na agricultura familiar, as crianças começam a conhecer a terra desde cedo, aprendem a valorizar este trabalho tão importante para o País. Hoje, com os estudos e as novas tecnologias que estão disponíveis, as crianças precisam começar a ter o vínculo com a cultura, o meio ambiente e os saberes do campo e da família para que, futuramente, possam implementar essas técnicas, evitando o êxodo rural, valorizando cada vez mais a agricultura familiar e garantindo a sucessão rural com qualidade de vida e trabalho para toda a família”, afirma Mônica Augusto.


 


Brasil não cumpre meta em 2016


 


O Brasil está entre os países que assumiram as metas propostas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) de eliminar, até 2016, as piores formas de trabalho infantil e de erradicar, até 2020, todo tipo de trabalho infantil. Mesmo com uma redução considerável nas últimas décadas, o Brasil ainda está distante de cumprir as duas metas assumidas. De acordo com o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), essa questão de o Brasil não ter cumprido a meta desapareceu da agenda nacional e é preciso que o Estado brasileiro responda por que não cumpriu, pois essa omissão representa uma violação de direitos.


 


As estatísticas mostraram que o trabalho infantil ocorre em praticamente todas as atividades econômicas desenvolvidas no País. Segundo a Pnad/IBGE, entre os anos de 2001 e 2014, houve uma redução de 5,1 milhões para 2,8 milhões de crianças e adolescentes trabalhando. Porém, entre o período de 2013 a 2014, essa tendência de queda foi interrompida, quando houve um acréscimo do trabalho infantil de 14,75%.


 


Esse incremento do trabalho infantil ocorreu na maioria dos estados brasileiros, com destaque para Roraima (+126,5%), Acre (+67,9%), Distrito Federal (+63,8%), Paraíba (+58,2%), cujos aumentos foram de mais de 50%. Ao todo, foi registrado aumento do trabalho infantil em 19 estados. Por outro lado, houve diminuição em Pernambuco (-25,1%), Rondônia (-20,8%), Rio Grande do Norte (-13,5%), Rio de Janeiro (-11,5%), Goiás (-9,0%), Minas Gerais (-6,3%), Tocantins (-5,3%), Rio Grande do Sul (-1,2%) e Ceará (-1,0%).


 


Em 2015 houve nova redução, quando mais de 600 mil crianças e adolescentes foram retiradas do trabalho infantil, mas houve um aumento percentual de trabalho no campo abaixo dos 14 anos de idade. Mesmo assim, a Pnad aponta que 2/3 do trabalho infantil estão concentrados nas cidades e 1/3 no campo. E, nos últimos três anos, houve um crescimento do trabalho infantil na faixa etária de 5 a 9 anos de idade em atividades rurais, envolvendo aproximadamente 79 mil crianças. “Essa realidade é muito preocupante porque abaixo de 14 anos não é permitida nenhuma forma de trabalho infantil e não tem nem a possibilidade da aprendizagem, porque a aprendizagem só pode acontecer a partir dos 14 anos. Esse é um dado que merece atenção e, inclusive, deve orientar a tomada decisão quanto às políticas de enfrentamento ao trabalho infantil”, destaca a secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), Isa Oliveira.


 


Ainda segundo a Pnad, a incidência do trabalho infantil é maior nos grupos socioeconômicos mais vulneráveis, ou seja, 66,4% estão inseridos em domicílios cuja renda por pessoa é de até um salário mínimo. Além disso, um dos fatores que pode explicar esse aumento do trabalho infantil no campo é o fechamento das escolas rurais, intensificado a partir de 2010. “O acesso à educação do campo é muito menor do que na cidade, sobretudo, uma educação que respeite e valorize o saber local e das atividades e valores do campo. E o fechamento das escolas rurais é um absurdo. Você está negando um direito que está assegurado na Constituição para as crianças da cidade e do campo, pois não pode haver essa desigualdade”, cobra a secretária executiva do FNPETI.


 


Outro grande desafio para a erradicação do trabalho infantil está relacionado à aprovação da Emenda Constitucional que congela os gastos públicos para os próximos 20 anos. Ela influenciará no corte de investimentos na educação e em programas sociais importantes, como o Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Minha Casa Minha Vida, Previdência Social, entre outros. “Os recursos destinados à educação, por exemplo, são insuficientes, ou seja, não estão garantindo educação para todos e todas e escola de qualidade. Não basta ter uma elevada taxa de matrícula. É preciso ter taxas elevadas de aprendizado e de conclusão do ensino básico na idade certa. Portanto, é inegável que qualquer redução de gastos sociais vai impactar, definitivamente, no aumento do trabalho infantil”, reforça Isa Oliveira.


 


 


 


LISTA DAS PIORES FORMAS DE TRABALHO INFANTIL RELACIONADOS À AGRICULTURA, PECUÁRIA, PESCA E EXTRATIVISMO:


 


– Direção e operação de tratores, máquinas agrícolas e esmeris, quando motorizados e em movimento 


– Processo produtivo do fumo, algodão, sisal, cana-de-açúcar e abacaxi


– Colheita de cítricos, pimenta malagueta e semelhantes


– Beneficiamento do fumo, sisal, castanha de caju e cana-de-açúcar


– Pulverização, manuseio e aplicação de agrotóxicos, adjuvantes, e produtos afins, incluindo limpeza de equipamentos, descontaminação, disposição e retorno de recipientes vazios


– Trabalho em locais de armazenamento ou de beneficiamento em que haja livre desprendimento de poeiras de cereais e de vegetais


– Trabalho em estábulos, cavalariças, currais, estrebarias ou pocilgas, sem condições adequadas de higienização 


– Trabalho no interior ou junto a silos de estocagem de forragem ou grãos com atmosferas tóxicas, explosivas ou com deficiência de oxigênio


– Trabalho com sinalizador na aplicação aérea de produtos ou defensivos agrícolas


– Extração e corte de madeira


– Trabalho em manguezais e lamaçais


– Trabalho na cata de iscas aquáticas


– Trabalho na cata de mariscos


– Trabalhos que exijam mergulho, com ou sem equipamento


– Trabalho em condições hiperbáricas (de muita pressão da água)


– Trabalho em cantarias e no preparo de cascalho


– Trabalho de extração de pedras, areia e argila (retirada, corte e separação de pedras; uso de instrumentos contuso-cortantes, transporte e arrumação de pedras)


– Trabalho de extração de mármores, granitos, pedras preciosas, semipreciosas e outros minerais


– Trabalho em escavações, subterrâneos, pedreiras, garimpos, minas em subsolo e a céu aberto


– Trabalho em locais onde haja livre desprendimento de poeiras minerais


– Trabalho em salinas


 


FONTE: Assessoria de Comunicação CONTAG – Lívia Barreto e Verônica Tozzi