Escrito por: Raquel Chaves (CUT-CE) e Igor Carvalho (CUT Nacional)
“Essa agenda de uma contrarreforma política que está em curso hoje é terrível. Temos de ser frontalmente contrários a essa agenda e, principalmente, à regulamentação na Constituição do financiamento empresarial de campanha”. O desabafo foi do secretário geral da CUT-CE, Helder Nogueira, durante audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, na tarde desta terça-feira (26/5). A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTAS) da Assembleia realizou o encontro para discutir a proposta de reforma política em tramitação na Câmara dos Deputados.
Além da CUT-CE, participaram ainda da mesa de debates representantes de várias outras entidades e movimentos sociais, entre eles: Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB); Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Ceará); Coalização pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas; Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Movimento Democracia Participativa; Movimento Organizado dos Trabalhadores/as Urbanos do Estado do Ceará; e Federação dos Trabahadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (Fetraece). O vice-presidente da CUT-CE, Wil Pereira, também participou da audiência. Os deputados Moisés Braz e Elmano Freitas, ambos do PT, foram autores do requerimento, enfatizando que o tema requer ampliação do debate e estímulo à participação do Poder Público e da sociedade civil para que, juntos, possam apresentar suas contribuições.
Para o dirigente da CUT-CE, que iniciou o debate, as lutas que a Central está encampando de braços dados com os movimentos sociais têm relação direta com o que está sendo construído. “Essa frente que estamos construindo é política. E requer mudanças necessárias, profundas e fundamentais de uma agenda política que foi sendo deixada de lado e que não está integrada à agenda conservadora do atual Congresso Nacional”, explicou Helder Nogueira. Ainda de acordo com ele, a Central pôs à frente uma série de iniciativas com foco na reforma política.
Na opinião de Ermanno Aleggri, integrante do Movimento Democracia Participativa, as discussões realizadas durante a audiência desta terça-feira deveriam ser multiplicadas à milésima potência. Na opinião de Aleggri, que também é diretor da Agência de Informação Frei Tito para a América Latina (Adital), os brasileiros não podem se manter dependentes da informação pelo “rolo compressor que são os grandes meios de comunicação” que existem hoje no País. Principalmente os movimentos sociais devem atuar como multiplicadores para as massas, alerta ele, que também é ex-secretário nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Minorias privilegiadas
O representante da OAB-CE, Benedito Bizerril, lembrou aos presentes que a Coalização pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas foi um movimento que se formou ainda em 2013 e conseguiu elaborar um projeto de lei de reforma política. A OAB-CE integra esse movimento, com outras 110 entidades em todo o Brasil. “Em 2013, ficou bem patente que há um descompasso muito grande no que diz respeito à representação popular nos parlamentos. O Povo não se sente representado nos parlamentos”, disse Bizerril. De acordo com ele, isso ocorre porque o nosso sistema político está estruturado para garantir privilégios de uma minoria que domina o processo eleitoral brasileiro.
“A representação nos parlamentos vem sendo constituída por poder econômico”, acrescentou Benedito Bizerril, exemplificando que 95% do financiamento de campanha das eleições de 2010 foram de empresas. “O resultado disso é que temos um Congresso (Câmara) em que sua grande maioria é formada por empresários, grandes donos de terra ou seus representantes seus. A representação de trabalhadores no Congresso é muito pequena e se reduziu”, lamentou.
Para o deputado estadual Moisés Braz, a audiência também é uma forma de reflexão mais profunda sobre que tipo de reforma política queremos para o nosso país “O que me parece apresentado é uma mini-reforma eleitoral, e não a profunda reforma política que queremos”. Helder Nogueira endossou: “reforma política se faz com constituinte e constituinte se faz com organização do povo. Temos que superar amarras coloniais de uma sociedade ainda arcaica”.
Mudanças profundas
Na compreensão de movimentos organizados como o Motu-Ceará, a mensagem das massas nas ruas em 2013aponta para a participação de forma ampla e popular nas discussões pela reforma. “Uma reforma que se coloque na perspectiva de mudar questões fundamentais hoje em nosso país para que a sociedade brasileira possa avançar”, afirmou a representante do Motu-Ceará na audiência pública desta terça, Cineide Almeida. Ela destacou alguns pontos que necessitam de mudanças urgentes, como a sub-representação da população negra, da juventude e das pessoas que não têm orientação heterossexual. “Falta um congresso que tenha cara de povo”, avaliou.
O presidente da Fetraece, Luiz Carlos Ribeiro, defendeu ainda a “necessidade urgente” do resgate da credibilidade da luta política no País. “É preciso ter um debate aprofundado na sociedade e não uma briga de força onde ganha quem tem mais”, disse. Representando o MAB no Ceará, Josivaldo Alves também apontou o que está sendo apresentando pelo Congresso como uma “contrarreforma”. Para ele, o debate que tem sido apresentado pela Casa é “meramente eleitoral, uma reforma reacionária contra qualquer reforma mais progressista”. Representando a CTB no Ceará, José Tavares Filho apontou as doações de campanha como “um empréstimo compulsório que sai muito caro à sociedade brasileira”.
Presidente da Fetraece, Luiz Carlos Ribeiro, e o vice-presidente da CUT-CE, Wil Pereira
PEC da Corrupção
Ainda nesta terça-feira (26), a Câmara dos Deputados deve começar a votar a PEC 182/2007, chamada de “PEC da Corrupção”, que propõe uma contrarreforma política que valida práticas que fomentam a manutenção das oligarquias políticas e econômicas do País no Congresso. Um dia antes, a reunião da comissão especial da reforma política, criada na Câmara, foi cancelada após um encontro entre os líderes partidários que decidiram enviar o projeto direto para ser votado no Plenário, sem ser avaliado pelo colegiado.
Durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados, na manhã desta terça-feira (26), o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), condenou a manobra na comissão e reprovou a votação do projeto. “Esse parlamento não tem legitimidade para fazer a reforma política. Ele foi eleito sem participação popular, foi eleito pelos empresários e pela mídia oligopolizada. É uma elite que não representa o País”, protestou o parlamentar.
“Isso vai prejudicar partidos, ideologias políticas e minorias. A Câmara vai se tornar um enorme varejo, com parlamentares representando e negociando interesses de empresários”, afirmou o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ).
Rosane Bertotti, secretária nacional de Comunicação da CUT, que representou a entidade durante a audiência pública em Brasília, lamentou o avanço do projeto e alertou para os riscos à população. “Tivemos um pouco de avanço pela luta e pela disputa feita nas ruas, um mínimo avanço. Temos 9% de mulheres, 8,5% de negros e 3% de jovens representados no Congresso. São números ridículos ainda, mas é um mínimo avanço. Com esse modelo que será votado hoje, perdemos essa pequena conquista e voltaremos a recuar.”
Fotos: Janes P. Souza